Os Cartógrafos



JOSÉ DA SILVA PAES

     Nasceu em Lisboa, em 1679, faleceu na mesma cidade em 1760.

     Formou-se na Aula de Arquitetura Militar de Lisboa, ingressou no Exército, servindo na Infantaria e chegando ao posto de coronel-engenheiro agregado, em 1723. Foi destacado pelo Conselho Ultramarino para acompanhar as obras do aqueduto da Carioca.

     Em 1736, foi designado pelo Vice-rei, Gomes Freire de Andrade, para comandar uma expedição à Colônia do Sacramento, cercada pelos espanhóis. Entre os objetivos da expedição estavam: expulsar os espanhóis da região de Montevidéu; levantar o cerco inimigo sobre a Colônia e fundar um presídio em Rio Grande, a meio caminho entre Santa Catarina e Colônia. Entretanto, a expedição, iniciada em 1736, não conseguiu lograr seu primeiro objetivo, pois os espanhóis já se encontravam bem fortificados na região. Quanto ao segundo, seu êxito foi relativo, pois juntamente, com o governador de Colônia conseguiu expulsar e destruir acampamentos espanhóis na região; porém frente à negativa de um dos chefes da esquadra, desisitiu do ataque a Buenos Aires. Retornando de Colônia, tentou ancorar em Maldonado, para ali fundar uma base portuguesa, porém desistiu do intento devido à falta de água e lenha na região e à pouca amplitude da baía para a proteção dos navios. Desse modo, fixou-se em executar o terceiro objetivo, chegando a Barra do Rio Grande e desembarcando em 19 de fevereiro de 1737, para fundar e construir o Forte Jesus-Maria-José, que deu origem à Vila de Rio Grande.

     Como engenheiro militar, Silva Paes já havia realizado inúmeros trabalhos, destacando-se especialmente na construção de projetos militares, como o projeto defensivo da Baía da Guanabara, iniciado em 1735, que constituía-se na planta da Fortaleza do Patriarca São José da Ilha das Cobras, que tornava inacessíveis as escarpas da ilha, dando-lhe um aspecto de um castelo elevado. Neste projeto a defesa ficava integrada por três fortes: o de São José, em cujo terrapleno estavam compreendidas as edificações de serviço, como a Casa do Governador, capela, casa da pólvora e corpo da guarda; o do Pau da Bandeira, aproximadamente ao centro da ilha; e o de Santo Antônio, na ponta alongada e mais baixa, na direcção da Ilha dos Ratos, hoje Ilha Fiscal.

     Foi o primeiro governador da capitania de Santa Catarina, de 7 de março de 1739 a 25 de agosto de 1743, reassumindo o governo de 20 de março de 1746 a 2 de fevereiro de 1749. Ali projetou e construiu as fortalezas que constituiram o sistema de defesa da ilha de Santa Catarina, composto de quatro fortes, ao norte: São José da Ponta Grossa, Anhatomirim e Ratones; e ao sul, Conceição de Araçatuba.

     Entre os seus trabalhos cartográficos estão:
a) Planta das fortificações da Barra de Santos e da Fortaleza de Itapema, em 1735 ou 1736 ;
b) Planta topográfica da Praça da Nova Colônia do Sacramento, em 1736;
c) Levantamento topográfico da costa referente ao trecho da Lagoa Mirim e da Barra de Rio Grande, em 1737.

 

JOSÉ CUSTÓDIO DE SÁ E FARIA

     Nascido em Portugal, José Custódio de Sá e Faria foi um engenheiro militar, cartógrafo, arquiteto, geógrafo e administrador colonial do século XVIII. Formou-se na Academia Militar das Fortificações de Portugal, no ano de 1745. Faleceu em 1792, na Argentina.

     Foi designado pelo vice-rei Gomes Freire de Andrade para fazer parte da Comissão Demarcadora, que assentaria os limites entre as possessões ultramarinas dos reinos de Portugal e Espanha, resultado das negociações do Tratado de Madri de 1750, na América do Sul. Devido ao seu preparo técnico e ao seu desenho elaborado, Sá e Faria foi nomeado o primeiro comissário da Terceira Partida Demarcadora, que iria realizar o estudo cartográfico da zona compreendida entre os rios Paraná e Paraguai, o plano da Colônia de Sacramento e o mapeamento do Salto Grande do Paraná, realizadas no período 1753-54.

     Preparou os dois mapas que ornariam a História topográfica e bélica da Nova Colônia do Sacramento, publicada em 1900, por Simão Pereira de Sá. Assim os mapas que constam no Diário de Demarcação são de sua autoria.

     Sá e Faria também realizou projetos de engenharia militar, como o do Forte de Nossa Senhora de Igatimí, na fronteira com o Paraguai, e em várias obras no Rio de Janeiro, para onde havia sido designado pelo novo vice-rei, conde de Azambuja.

     Segundo Toledo1 “a obra cartográfica de José Custódio de Sá e Faria é um acervo de inestimável valor para o estudo da formação territorial do país e suas relações com demais nações.” Analisando seu trabalho, escreve:

“As peças gráficas são acompanhadas de relatos circunstanciados, em excelente apresentação e clareza expositiva.  Nos diários e planos de viagem comparecem informações preciosas sobre as formas de se transitar, seja por caminhos em terra, trilhas de nativos, trilhas de colonizadores, alguma "estrada Real", seja por vias fluviais.  São, ainda, descritas as formas utilizadas na transposição desses cursos d'água.    Há descrição da configuração das vilas, da atividade econômica, das relações entre os diferentes grupos, hábitos sociais e comportamento ou algum tipo de fortificação.
     Entretanto, o estado de beligerância permanente entre as duas coroas ibéricas, pela hegemonia na região rio-grandense, fez com que Sá e Faria passasse a atuar com soldado, deixando de lado os instrumentos científicos. Após a invasão de Rio Grande, em 1763, pelo Vice-Rei do Rio da Prata, D. Pedro de Ceballos, o coronel José Custódio foi nomeado governador interino da Capitania de São Pedro, em 1764. Foi sua a tentativa de reconquistar a vila do Rio Grande, em 1767, porém, fracassou, apesar de recuperar São José do Norte. Foi retirado do governo e preso por desobedecer às ordens de harmonia entre as coroas ibéricas que a metrópole ditara, chegando a colocar-se do lado espanhol, mas foi posteriormente absolvido.

     Em 1777, após ter sido expulso de Rio Grande no ano anterior, D. Pedro de Ceballos invadiu a Ilha de Santa Catarina. O vice-rei designou o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, para comandar a defesa da fortificação, entretanto foi derrotado pelas forças espanholas. Confrontado com a possibilidade de ser executado por ordem do Marquês de Pombal, que baixara ordem contra os oficiais portugueses que se rendessem, Sá e Faria desertou, oferecendo seus serviços à Espanha, com a ressalva não lutaria contra Portugal.

     Seus bens foram confiscados e vendidos em hasta pública, assim, o engenheiro militar radicou-se em Buenos Aires e, em pouco tempo, tornou-se o arquiteto mais importante da região. Paralelamente aos trabalhos cartográficos, Sá e Faria realizou uma verdadeira reurbanização da capital, assim como de Montevidéu, da Colônia do Sacramento, de Maldonado, entre outras povoações. Foi nomeado diretor de obras públicas da cidade, realizando a correção de deficiências urbanísticas; editando normas à construção; promovendo a pavimentação de ruas e estudos que tratavam de diferentes assuntos, como reservas minerais, estabelecimento de aldeias na região patagônica, projetos para a construção de portos, docas, igrejas e catedrais.


1 TOLEDO, Benedito Lima de. A ação dos engenheiros militares na ordenação do espaço urbano no Brasil. Lisboa: [s.n], 2000.

 

FRANCISCO JOÃO ROSCIO

     João Francisco Roscio nasceu na Ilha da Madeira, em 1733. Era engenheiro militar e geógrafo, chegando ao Brasil em 1767. Atuou como cartógrafo na capital, traçando um mapa do Rio de Janeiro, em 1769, com uma série de muralhas, que nunca chegaram a ser construídas, também foi o responsável pelo projeto da Igreja da Candelária.

     Em 1777, Portugal e Espanha assinaram um novo tratado, que determinava uma revisão na demarcação dos limites entre os dois Impérios. Para isso foram designadas expedições demarcatórias, formadas por engenheiros, cartógrafos e militares de ambos os países. O supervisor geral do lado português foi o Vice-Rei, D. Luís de Vasconcellos, que escolheu como chefe da missão, o Governador da Capitania de São Pedro, o Brig. Sebastião Xavier da Veiga Cabral. A este estava subordinada a primeira divisão, que era chefiada pelo Cel. Francisco João Roscio e da qual faziam parte o engenheiro Dr. José de Saldanha e o ajudante Alexandre Elói Portelli.

     Ao terminar a expedição, Roscio retornou a Portugal, e ali completou a sua obra Compêndio Noticioso do Rio Grande de São Pedro, na qual relata os hábitos da população, os meios de transporte e a economia regional. O trabalho, além do texto, possui três mapas, representando uma descrição corográfica do continente, para ser utilizada com fins militares.

     Roscio ainda deixou os se­guintes trabalhos relacionados com o Rio Grande:

  • Mapas Particulares Extraídos da Carta da Capital do Rio Grande S. Pedro e suas Circunvizinhanças, até o Rio da Prata. Rio de Janeiro, 1783.
  • Plano Corográfico Individual do Rio Grand ede S. Pedro (no qual se mostram as linhas de di­visão estabelecidas nos anos de 1784, 1785 e 1786).
  • Compêndio Noticioso do Continente do Rio Grande de S. Pedro até o Distrito do Governo de Santa Catarina.

     Retornou ao Brasil e entre 1801 e 1803, ocupou o cargo de Governador interino da Capitania de São Pedro. Faleceu em Porto Alegre, em 1805.

 


OS ENGENHEIROS CARTÓGRAFOS

 

JOSÉ DE SALDANHA

     Nasceu em Lisboa, em 1758. Freqüentou a Universidade de Coimbra, formando-se em Filosofia, Matemática e especializando-se em Geografia e Astronomia. Após o fim do curso, embarcou na fragata São João Batista, realizando observações astronômicas e matemáticas, determinado várias coordenadas geográficas. A seguir, seguiu para o Rio de Janeiro.

     Graças ao seu conhecimento científico, foi designado como bacharel civil para integrar a Comissão Demarcatória do tratado de Santo Ildefonso, chegando ao Rio Grande do Sul em 1783. Seu itinerário e suas descobertas científicas estão documentadas em duas obras: Diários Gerais e Diário Resumido, escritas nos meses de inverno, nos quais a expedição se limitava a esperar no acampamento por melhores condições climáticas. Este local acabou sendo o núcleo inicial da atual cidade de Santa Maria. Graças aos serviços prestados ao governo português recebeu a patente de coronel.

     Saldanha deixou outros trabalhos escritos. São eles:

  • Diário... do reconhecimento dos campos de novo descobertos sobre a Serra Geral, nas cabeceiras do Rio Pardo.
  • Memória sobre o Sal de Glauber na Capitania do Rio Grande do Sul.

     Em 1789, quando convalescia no Quartel de Rio Pardo, Saldanha dedicou-se a elaborar o Mapa Corográfico da capitania de São Pedro, mais tarde ampliado pelo autor. Apesar dos inúmeros dados coletados durante a expedição de demarcação, faltaram-lhe dados para a conclusão dos trabalhos. O que o levou a empreender longas excursões pelo território rio-grandense na coleta das informações faltantes.

     Este mapa foi o primeiro realizado no Rio Grande do Sul em que constaram levantamentos geodésicos e medições de dezenas de sesmarias localizadas na fronteira. Posteriormente, o mapa foi acrescido com os dados relativos à posse dos novos territórios adquiridos após a conquista das Missões, em 1801. E é está versão que foi publicada em 1819, pelo Visconde de São Leopoldo, na primeira edição de seus Anais.

     Após a conquista das Missões, Saldanha foi designado como comandante das tropas na região recém conquistado, o que lhe foi útil para a coleta de dados com o objetivo de completar o mapa da Capitania. Quando deixou o comando, retirou-se para Porto Alegre, onde concluiu o seu mapa. Faleceu em Porto Alegre no ano de 1808.



ANTONIO IGNACIO RODRIGUES CÓRDOVA

     Nasceu em Portugal, em 1750. Militar, com conhecimentos científicos, foi designado para servir no sul da colônia, primeiramente em Santa Catarina, onde chegou em 1786 e em 1790, foi mandado para o Rio Grande do Sul.

     Como cartógrafo realizou em 1780 o Mapa Geográfico do Continente do Rio grande, dividido em quatro Províncias ou Distritos: Província do Rio Grande, Província de Viamão, Província do rio Pardo e Província de Vacaria. Esta é uma carta minuciosa, com boa apresentação gráfica e conta com mais de duzentos topônimos.

     Essa carta possui duas versões, sendo que uma delas possui um quadro estatístico com a população das freguesias que faziam parte do continente.

     Faleceu em Porto Alegre em 1791.



CONCLUSÃO:

     O século XVIII foi fundamental para o desenvolvimento da cartografia portuguesa. A formação dos engenheiros militares e a sua atuação dos mesmos na colônia foram fatores decisivos para o conhecimento da natureza brasileira. Para o historiador José Honório Rodrigues, a chamada “cartografia dos limites”, com a assinatura dos Tratados de 1750 e 1777, "delineou com extraordinários resultados o corpo físico do Brasil. São verdadeiros monumentos cartográficos que elucidam complicadas questões de limites".

     Em pleno século das luzes, o racionalismo e o cientificismo imperavam e dominavam não só as Universidades, mas os próprios governos através da doutrina do despotismo esclarecido. Nesta doutrina para a nação alcançar a soberania era necessário dominar a natureza e isto só poderia ocorrer pelo conhecimento. Assim a premissa do período: "a natureza deve se subordinar à razão pelo exato conhecimento: a razão só pode avançar apoiada na realidade".

     Assim o acervo cartográfico elaborado pelos cartógrafos portugueses possibilitou a criação de uma estratégia de defesa, segundo a qual redes de fortificações começaram a se estruturar e  núcleos urbanos começaram a se consolidar, permitindo a definitiva ocupação da colônia, de seus sertões e não apenas do litoral..



BIBLIOGRAFIA:

LEGIBRE, Anna Maria Soares. O papel do estrangeiro na formação e transformação da área central e peri-central do Rio de Janeiro. In:_______. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, 2001.

SÁ, Simão Pereira de. História topográfica e bélica da Nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata. Porto Alegre: Arcano, 1993.

SALDANHA, José de. Diário resumido. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1938.

TORRES, Luiz Henrique. Forte Jesus-Maria-José: fontes historiográficas. Biblos, v.16, Rio Grande, p.191-200. 2004.

TOLEDO, Benedito Lima de. A ação dos engenheiros militares na ordenação do espaço urbano no Brasil. Lisboa: [s.n], 2000.

TEIXEIRA, Manuel C. A Colônia de Sacramento: expressão do urbanismo português seiscentista. Colônia Del Sacramento: Instituto Camões, 2004.



Principal

Preservação do Acervo Cartográfico do
Instituto Histórico e Geográfico do RS